quarta-feira, novembro 15, 2006

Auto-retrato (sim, sou eu...)

Sombras aos pedaços que outrora formaram um eu riem desalmadamente. Fragmentos de mim que tento recolher para formar um castelo humano. Aqui não faço nada, por isso volto para o meu mundo de desespero onde finalmente dou liberdade à minha morbidez calada. Remeto-me ao silêncio de quem tem tanto para dizer e ninguém a quem o dizer. Compreenderás a minha alma?
Saudades dos vivos, que não vejo hà muito. Não sinto falta dos meus defuntos, vê-los-ei em breve.
Cada vez que adormeço e acordo no dia seguinte apercebo-me que morri durante a noite, mas apenas um pedaço. E então, pedaço após pedaço, após pedaço… durmo. Acordo descansado da morte e cansado da vida.
Farrapos enxovalhados, do bonito lençol que fui outrora, já não bailam ao vento nem brilham ao sol. Num branco escuro carregado de incertezas, em que a única certeza é a dúvida. A dúvida que nos mantém no trilho deste feliz acaso que é a vida. Vida? E depois da vida? E depois de abandonares a embalagem onde te transportas para todo o lado? Espero-te no meu mundo onde dançaremos no baile de surdos. Onde todos vivem na casa assombrada por Deus e por todos os que o julgaram um dia ser. Foi Deus que me criou. Para gáudio próprio. Amamentou-me e fez-me forte. Cresci. E fez-me assim porque são estas as bestas que dão mais gozo abater. Mas são estas as bestas que mais facilmente se viram contra o dono. Quem terá criado Deus? Amar-nos-á ou nutre por nós um ódio visceral?
Abandonei a cruz que carrego e peguei na espada, com a qual disseco e decomponho em troços pequenos tudo dentro de mim e à minha volta. Observo e vivo amores esquizofrénicos com os quais me regozijo. Partidos aos bocados são mais fáceis de engolir. Assim te parto, assim te degusto.
Sem o peso da cruz parto em busca. Procuro-me a mim. Vasculho-me e não me encontro. Grito por socorro, estou cada vez mais perdido. Encontro-te e perdemo-nos juntos. A miséria adora companhia. E eu adoro-te a ti. Sou a tua miséria e tu a minha companhia. Dá-me a mão e vamos juntos conhecer este abismo lindo onde nunca ninguém ousou entrar. Vamos buscar incertezas e dúvidas que a morte esclarecerá em breve. Tudo é oco e fabricado em vão. Em vão vives, fragilmente e docemente, uma vida dura e amarga. Eu não vivo em vão. Tenho uma missão que me foi endossada que ainda estou para descobrir qual é. Senão porque outra razão aqui estaria? Vivendo vaziamente? Há algo aí por fora que me espera senão já teria ido embora há muito tempo. Nem que seja salvar o mundo de mim próprio. E quem me salva a mim de mim próprio? Estarei condenado a esta agonia de viver para sempre comigo? Uma vida de incerteza, de vazio, de ideias levadas na brisa que um dia me atravessou e me esventrou de um sentido claro e pertinente para mim próprio? Brisas vão, brisas vêm. Há-de chegar a brisa que me encha novamente. Já avisto o pó que levanta, ao fundo, no ar. Depois de experimentar a sensação de sufocar ou de ser enterrado vivo por esta tempestade sei que finalmente saberei o ando aqui a fazer, e qual o teu papel no meio disto tudo. Até lá morremos juntos, pedaço após pedaço, após pedaço… até que algo nos separe!

Novembro de 2006

2 comentários:

Anónimo disse...

Querias um comentario nao era? Adorei! Nao ha palavras para descrever o que escreves... lindo.

Beijoca, Joana Durao

Anónimo disse...

Ao ler os textos, penso em ti como alguém estranho e grotesco que não se consegue misturar na sociedade, que foi expulso do convívio humano, totalmente abandonado e deixado inconsolável...
Brincadeirinha!!!!!!!
penso em ti como alguém especial, diferente da maioria, alguém que vai conseguir chegar mais além...
Adorei todos.
Lena