Não sei por onde começar, nunca soube. O sinal de que se chegou ao fim. O mundo correu-me numa parafernália insolente de almas sem sentido e deus dormia quando eu nasci. Jazo em paz e os corvos devoram as minhas entranhas enquanto os aconchego a mim. 3 décadas dizem muito ou nada, apenas decadência. Pedi a minha rendição há já muito tempo, foi-me negada e continuei a viver mil vidas arrastando-me sem aparente direcção. As portas abrem-se, eu limito-me a entrar e vejo que não faço sentido. Tento voar e não consigo. Apago o cigarro no meu peito e as cinzas que piso são as que me saem das feridas. Não tenho dor, deixei de sentir, aquela visão de prazer não o é mais. Não me causa desconforto e não tem importância tirando o sangue que corre e as noites em negro, nada é branco e puro. Coisas assim não sabem igual.
Não há limites para momentos baixo e enterrar-me-ei se necessário. Afogo-me em etanol e a minha vida ganha outro sentido. Tudo parece mais puro e genuíno então. Ajoelho-me para pedir clemência e num gesto sou decapitado. Indolor e incapaz perco-me nos diálogos comigo próprio e aborreço-me até à morte que teima em não me vir buscar.
Testemunho as lágrimas derramadas de guerras que decidi lutar. Percebi, tarde de mais, que ao ser exigente com os outros estava apenas a exigir demasiado de mim. Dediquei-me a causas em queda e lentamente caí no fundo do meu inconsciente. Acordo com o frio da neve na minha casa, as carícias dos corvos que abrem o meu abdómen com os seus bicos afiados. As pessoas que amei fogem por entre as escaras que elas próprias mastigaram na minha carne, juntas formam uma banda que orquestram os sons da minha agonia. A batuta na minha mão, feita da minha pele e osso marca o ritmo, estou prostrado e sem força. Finalmente salvo. A plateia aplaude , a morte em pé. Bravo. A música pára. Ondulo por entre as mãos de quem me trouxe ao mundo e finalmente sinto paz. Adormeço frágil como um feto que não escolheu viver nem morrer. É essa a minha história até hoje.
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